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Entrevistas

Entrevista dada a um concluinte do Curso de Administração, por Luciano Piquet, que foi tema de tese de graduação na UFPB

1 - Você poderia contar-me a seu respeito antes de começar o seu primeiro negócio?

Desde criança fui sempre muito criativo. Eu mesmo comprava os tecidos para minha mãe costurar minhas calças e camisas. Na escola houve um concurso de matemática, que constava de um problema por dia e eu acertei todos no menor tempo. No ginásio ganhava todos os concursos de poesias fazendo poesias modernas, coisas do tipo: ao falar sobre uma história de um vôo mostrava que o avião decolava datilografando o som com letras ascendendo....

                                                                                                  mmmmmmm

                                                                                 mmmmmmm

                                                                        uuuuuuuuuu

                                                                  uuuuuuu

                                                  rrrrrrrrrrrrrrrr

                                            rrrrrrrrrrrr

                                          vvvvv

                             vvvvvvvvvvvvvv

(Os professores consideram isso na época como arte moderna. E eu acho que era mesmo. Não tinha um valor literário ao pé da letra, mas causava curiosidade entre as pessoas que liam – ou viam).

Aos 18 anos participei de festivais de música em Campina Grande e apesar de não conhecer nada de notas musicais ficava sempre entre os 3 primeiros nos 2 anos que participei. Me formei em engenharia, o que foi muito útil na minhas descobertas da vida profissional. Na universidade eu fui o primeiro a utilizar uma calculadora científica da HP que tinha uma fita magnética onde se podia gravar fórmulas. Nem os professores sabiam disso. Resultado: nas provas já sabia o resultado das equações das provas, só precisava chegar a elas. Era cola eletrônica mesmo!

Mas gostava mesmo era de criar. Depois de engenharia fiz até o 5º ano de arquitetura mas não tive tempo de terminar, pois ingressei no Jornal O NORTE onde implantei a informatização do jornal. Além da parte técnica/operacional, criava as primeiras páginas e isso me dava muito prazer pois tenho a necessidade de criar algo novo a cada dia. O classificados do jornal era montado por mais de 30 pessoas e com apenas um software que desenvolvi tudo passou a ser feito em minutos. Uma informatização de um jornal tem um custo social muito grande, pois desemprega dezenas de pessoas. E eu lamentava muito por isso.

Depois do jornal O NORTE saí para implantar a Paraí.

Estes foram alguns fatos mais marcantes de minha vida que nesta entrevista pode definir melhor o meu perfil.

2- Os seus pais, parentes ou amigos próximos eram empreendedores? De que forma?

Não. Não me lembro de nenhum dos meus parentes como empreendedor afora meu pai. Meu pai foi um ótimo prefeito de Campina Grande. Ainda hoje é lembrado como um grande prefeito e me lembro de várias obras que ele realizou e projetos tipo planos diretores que implantou na cidade. Ele tinha muita visão.Tenho algumas de suas características e ele era muito criativo também. Apesar dele ser advogado, me lembro que ela desenhava histórias de gibi, projetou e desenhou uma caixa de sabão em pó e outras coisas deste tipo.

3 - Você tinha algum modelo?

Não me lembro ter sido influenciado por nada nem ninguém para seguir os caminhos que escolhia a não ser por meu pai, de quem me orgulhava muito. Eu também admirava bastante um engenheiro e amigo meu e de meu pai, Amaury Pinto – ex-presidente da CELB de Campina Grande, que me deu a calculadora HP. Ainda hoje sou amigo dele apesar de morar em Brasília e ainda conversamos bastante sobre tecnologia (ele já tirou 36 vezes na loteria esportiva só utilizando estatística). Ele é uma espécie de consultor meu, apesar de suas atividades profissionais serem bastante diferentes da minha.

4 - Qual foi a sua educação? Analisando a posteriori, ela foi útil? De que forma, especificamente?

Apesar de algumas atividades inteligentes e atípicas na educação sempre fui um aluno mediano. Mas, sempre fui muito criativo. É lógico que meus estudos na Escola Técnica Redentorista e na faculdade de engenharia me deram toda uma boa base para desenvolver as tecnologias usadas hoje em minha empresa, porém sempre acho que seria bem sucedido no que eu fizesse: direito, medicina, administração, etc, pois acho que uma pessoa sendo criativa e empreendedora vence em qualquer atividade.

5 - Qual era a sua experiência anterior no trabalho? Ela foi útil? Qual experiência particular foi especialmente importante e qual foi irrelevante?

A informatização do jornal O NORTE foi a atividade profissional de mais relevância. Trabalhar com jornalistas “cabeças” que se opunham às inovações gráficas e técnicas foi um grande desafio. O fato é que com um novo projeto gráfico, a informatização – que deixava o jornal muito ágil e inevitáveis demissões livraram o jornal da falência. Em 4 anos as vendas de jornais duplicaram e neste período eu me senti muito útil. No final de 9 anos de jornal eu era visto com muito respeito por todos aqueles se opuseram ao meu trabalho. Este período foi o de maior realização e satisfação de minha vida pois todos os dias tinha que criar algo novo na primeira página do jornal que surpreendesse aos leitores. E mexer com emoção é muito gratificante.

6 - Em particular, você tinha alguma experiências em vendas ou marketing? Quanto foi importante esta experiência ou a sua falta na criação da sua empresa?

Marketing. Esta é a palavra chave. Sempre fui bom em marketing sem conhecer teorias e hoje, quando participo de palestras ou coisas deste tipo vejo que tudo que fiz neste sentido foi certinho. A Paraí hoje é muito grande, mas sempre costumo dizer que por conta do marketing que adotei ela parece ser muito maior do que é.

Sei que marketing e vendas andam juntos. Porém, considero que o marketing vem com 90%. Às vendas cabem 10%.

7 - Como você começou o negócio?

Foi a partir de uma necessidade pessoal que surgiu a reciclagem de cartuchos de impressora a jato de tinta. Eu comprei em 1999 uma impressora HP Deskjet 500 em São Paulo e quando o cartucho esvaziou não tinha onde comprar um outro novo em João Pessoa e tinha que solicitar em São Paulo. O custo e a inconveniência de comprar em São Paulo fez com que eu procurasse reencher meus próprios cartuchos vazios.

O processo de enchimento inicialmente pensado era lógico: injetar tinta dentro dos cartuchos por um orifício que existia em sua tampa. Porém, com este processo de enchimento, os cartuchos não podiam ser adequadamente pressurizados e muitas vezes falhavam ou vazavam, daí a desconfiança que se tem até hoje com relação aos cartuchos reciclados. Através de um novo projeto industrial, a HP (que detêm 80% do mercado brasileiro) retirou o orifício existente por onde se enchiam os cartuchos e colocou um outro orifício com uma válvula de retenção, por onde entra a tinta, e acrescentou duas bolsas de ar no interior do cartucho dando maior estabilidade e qualidade a impressão. Mas, agora sem o orifício de entrada da tinta, como encher os cartuchos que esvaziavam? A solução mais lógica seria enchê-los pelo novo orifício que permite que a tinta adentre ao cartucho e não retorne, por conta da válvula de retenção. Esta técnica lógica de enchimento é a usada ainda hoje por todos os recicladores que trabalham manualmente e pelos grandes fabricantes mundiais de máquinas de reciclar. Porém, com este sistema de enchimento de cartuchos - injeção de tinta - vazamentos e falhas acontecem e não se consegue uma pressurização adequada no interior do cartucho.

Daí, descobri, após mais de ano e meio de estudos e pesquisas, que com a retirada do ar de dentro dos cartuchos vazios (utilizando uma seringa para animais) pela cabeça de impressão, local por onde sai a tinta, há logicamente uma formação de vácuo no interior do cartucho, que além de possibilitar que a tinta seja sugada pelo labirinto proporcionava ao cartucho a tão desejada pressurização que eliminava as bolhas de ar e conseqüentemente as falhas e vazamentos. Estava aí descoberta a técnica de enchimento a vácuo para cartuchos. O processo de enchimento a vácuo teve a patente depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI sob o nº PI0003237 de 03/06/2000.

8 - Como você localizou a oportunidade? Como ela veio à tona?

Os preços dos cartuchos originais é que me despertaram para a possibilidade de um bom negócio com a reciclagem dos mesmos. Na época um cartucho novo custava R$ 130,00, um cartucho vazio valia R$ 1,00 e ao reciclar eu vendia por R$ 40,00.

9 - Quais eram as suas metas? Qual era o seu estilo de vida ou outras necessidades pessoais? Como você combinava isto?

Sempre trabalhei e ainda trabalho em média 12 horas por dia. Quando comecei a reciclar e projetar as máquinas de reciclagem que pretendia comercializar, passei a trabalhar 18 horas por dia. Estava com uma grande idéia na mão e tinha que correr contra o tempo. E em João Pessoa eu não dispunha de recursos técnicos que agilizassem minhas idéias. Esta foi a maior dificuldade.

Minha meta era vender umas 30 máquinas. Vendi 2.200.

10 - Como você avaliou a oportunidade em termos dos fatores críticos de sucesso? Da competição? Do mercado?

Na realidade por ter uma idéia nova mas mãos (reciclar à vácuo, que resolvia todos os problemas da reciclagem de cartuchos) não tive muito problema com relação ao mercado. Como sempre trabalhei à frente no que diz respeito a informática, também fui um dos pioneiros na Internet e sem dúvida ela foi e continua sendo (6 anos depois) meu maior vendedor.

Coloquei a máquina de reciclar no site de busca Cadê? E não pararam de chegar telefonemas.

11 - Tinha sócios? Qual espécie de planejamento você fez? Que espécie de financiamento você teve?

Não tive nenhum sócio e não fiz nenhum planejamento. Mesmo que tivesse feito algum planejamento este teria sido atropelado. Uma empresa que cresceu 2.000% em dois anos é totalmente atípica.

Em 1999 fiz um financiamento de R$ 11.000,00 no banco do Nordeste para comprar computadores. O fato é que este empréstimo foi minha salvação para iniciar a Paraí pois o utilizei para comprar as peças necessárias para construir as primeiras máquinas. Como? Não posso dizer... Mas, daí vai uma coisa para se pensar: os bancos não podem acreditar em sonhos ou projetos, têm que ter garantia e uma máquina que eu ainda iria criar não poderia ser dada como garantia.

O empréstimo que era para der pago em 24 meses com 6 de carência foi pago de 6 meses.

12 - Você teve um Projeto de Negócios inicial, de qualquer espécie? Conte-me a respeito.

Fiz um projeto para o Banco do Nordeste que não tinha nada a haver. Era para compar computadores para montar uma empresa de informática. Meu projeto na realidade era só um: fabricar o maior número de máquinas possível para atender os pedidos que vinham de anúncios colocados de graça na Internet. A venda era totalmente receptiva.

13 - Quanto tempo levou da concepção ao primeiro dia de trabalho? Quantas horas por dia você empenhou nesta tarefa?

Cerca de 6 meses onde eu trabalha 18 horas por dia. Tudo estava na minha cabeça e nem projeto técnico das máquinas eu tinha. Não dava tempo de fazer eu tinha que contruir e as primeiras máquinas fiz eu mesmo, com ajuda de um encanador na garagem de minha casa.

14 - Qual foi o capital necessário? Quanto tempo levou para alcançar um fluxo de caixa positivo e o ponto de equilíbrio no volume de vendas? Se você não tinha dinheiro suficiente na época, quais foram as maneiras que encontrou para financiar o negócio? Conte-me a respeito das crises e pressões sofridas durante os primeiros períodos de sobrevivência.

Os R$ 11.000,00 do Banco do Nordeste foram suficientes. Gastava R$ 3.000,00 em uma máquina e as vendia por R$ 8.000,00. Como na época não tinha custo com funcionários nem custo de loja e a propaganda era de graça (Internet) meu lucro por máquina era em torno de R$ 4.000,00. Portanto, a única pressão que sofria era: fabricar, fabricar, fabricar....

Daí, fabricava 3 máquinas e ganhava dinheiro para fabricar mais 6. Fabricava 6 e ganhava dinheiro para fabricar mais 12. E assim por diante...

A fabricação das máquinas de reciclar era manual e ainda hoje é. Uma metalúrgica terceirizada dobra as chapas, outra faz algumas peças utilizando nylon e cilindros de inox e na fácrica montamos tudo na chapa, utilizando ainda, mangueiras e registros de máquinas de lavar.

15 - Qual ajuda externa você teve? Você teve conselheiros? Advogados? Contadores? Especialistas em impostos? Em patentes? Como você desenvolveu essas “redes” e quanto tempo isto levou?

Na realidade só tive uma orientação do Sebrae para como proceder no encaminhamento de uma patente. Durante 3 anos tive péssimos contadores. No resto cuidava de tudo.

16 - Qual era a situação de sua família na época? (Casado, tinha apoio, compreensão?

Sou casado há 30 anos. Minha esposa começou a trabalhar comigo quando comecei a reciclar cartuchos. Nós discutíamos muito pois ela achava que só deveríamos fazer cartuchos reciclados e que projetar a máquina iria demorar muito e tomar todo meu tempo já que o lucro com cartuchos reciclados era imediato. Era verdade mas aí é onde entra a visão das pessoas. Sabia que fazer máquinas iria dar certo e hoje, a fabricação das máquinas foi responsável por 95% do patrimônio pessoas e cartuchos apenas 5%.

17 - O que você percebia serem as suas forças? E fraquezas?

Força: uma idéia única que era reciclagem de cartuchos a vácuo que mudou a história mundial da reciclagem.

Fraqueza: baixa produtividade de fabricação de máquinas tendo em vista uma grande demanda.

18 - O que você percebia serem as forças do seu negócio? E fraquezas?

Força: era o uso da Internet e o marketing de divulgação. Na época eram poucos os sites e principalmente os de reciclagem, que não existiam. Se alguém quisesse entrar no negócio de reciclagem só iria encontrar uma empresa na Internet: a Paraí.

Fraqueza: O fato da empresa nascer na Paraíba era muito ruim. Como um dos estados mais pobre da nação poderia oferecer uma tecnologia revolucionária? Aonde ficava a Paraíba?

19 - Qual foi o seu momento mais triunfante? E o pior?

Momento mais triunfante: foi a venda da primeira máquina. O cliente (um senhor da Receita Federal de São Paulo, que queria montar uma empresa para as filhas) veio a minha casa, viu a máquina sendo fabricada na garagem de minha casa, a levou e pagou com 3 cheques. O problema era o cachorro latindo.

Mais recentemente, ter ganho o prêmio de segunda melhor empresa do mundo em Best News Marketig Tolls, em Las Vegas/USA 2003, foi emocioante.

Pior: ver minhas máquinas serem copiadas, acionar a justiça e ver a lentidão da mesma prejudicar nossa empresa. O ícone desta decepção ocorreu num dia 07 de setembro de 2004 quando o presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba deu um Hábeas Corpus para liberar as máquinas falsificadas que tinham sido apreendidas pela Justiça. Quem já se viu dar Hábeas Corpus para máquinas? Isso não existe em lugar nenhum do mundo.

20 - Você queria ter sócios ou estar sozinho? Por que?

Sozinho: Como tudo estava dentro de minha cabeça e ninguém poderia me ajudar não precisava de sócio. Os recursos necessários para começar eram pequenos.

Uma vez que você colocou a empresa em marcha, então...

21 - Quais eram as mais difíceis lacunas a preencher e problemas a resolver quando você começou a crescer rapidamente?

Produção. Tudo era artesanal e não existia no comércio local peças suficientes e pessoas qualificadas para agilizar os processos necessários para o crescimento.

22 - Quando você procurou pessoas-chave como sócios, conselheiros ou gerentes, existiam atributos ou atitudes pessoais que lhe interessavam especialmente, porque sabia que iam melhor se adaptar a você e que eram importantes para o sucesso? Como você os encontrou?

A partir desta necessidade é que minha mulher e meus filhos entraram no negócio. Minha função de pensar e desenvolver novos projetos, aliados a minha característica de criação não me permitiam administrar a empresa. Eu precisava de pessoas de confiança e só as encontrei em minha família. Hoje trabalham na Paraí minha esposa, 3 filhos, uma nora, um irmão e um cunhada.

Recentemente contratamos um gerente financeiro que era professor da universidade IESP. Acho que com o crescimento contínuo de nossa empresa teremos de contratar pessoas mais especializadas.

23 - Existe algum atributo ou característica relativas a sócios ou conselheiros que você definitivamente tenta evitar.

Sim. Achar que algo vai dar certo não é suficiente. Hoje temos que ter números em mãos para delinearmos nossas ações. Portanto temos que ter humildade para reconhecer nossas limitações, principalmente técnicas e de aspectos financeiros e recorrer a quem sabe ou a números.

24 - As coisas ficaram mais previsíveis? Ou menos?

Mais previsíveis. Hoje sei o que vai acontecer em 2006 na área de reciclagem.

25 - Você gasta mais (menos ou mesmo tempo) com o seu negócio agora, ou nos primeiros anos?

Menos tempo. Hoje apenas acomodo as estratégias de marketing a serem utilizadas em nossa empresa e a produção de máquinas é suficiente para atender a demanda.

Fico também de olho nas tendências de mercado e nos novos mtipos de cartuchos lançados no mercado. A cada novo lançamento tenho que lançar uma nova máquina ou um novo acessório.

26 - Você se sente mais gerente e menos empreendedor agora?

A gerencia da empresa fica por conta de meus filhos. Sempre serei um empreendedor. Sempre estarei olhando para a frente em busca de novos caminhos.

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